30 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

encontrado entre a poeira dos dias

Porque a Net fornece um novo dia...

Às vezes, lá calha...

«O facto central da minha vida
tem sido a existência de palavras
e a possibilidade de as tecer em poesia.»
(Jorge Luis

«É bom trabalhar nas Obras» (55)

«Estava a ler um livro, um dos escassos livros que lia, com a sua maneira habitual de os ler: folheava-os sem ordem, detinha-se numa página, de repente apertava as mantas como se o exemplar fosse fugir; mais do que lê-los, parecia que lutava com eles, que os aprisionava; depois ficaram em casa, folhas amarrotadas e um rasto de cinza na costura das páginas.
- Escuta-me bem. – E lia –: "Um casal de gémeos: Karl e Marta Drácula. Sem nenhuma relação com o conde, posso assegurá-lo. O interessante deste caso, é que não só se sabia que um deles era humano e o outro um vampiro, como também se sabia que um dos dois era sensato e o outro estava louco, embora ninguém fizesse a menor ideia de quem era o quê. E então disseram. Karl: 'A minha irmã é um vampiro.' Marta: 'O meu irmão está louco!' Como sabemos que os vampiros mentem sempre e que os loucos estão sempre enganados nas suas convicções, que os humanos dizem sempre a verdade e os sensatos são sempre exactos nos seus juízos, qual é o vampiro?"
A seguir voltaste às tuas coisas. Apagaste conscienciosamente uma prova dos nove e limpaste retorcidas aparas de borracha do teu caderno, com as costas da mão. Levantaste um pouco a cabeça. Ele continua a olhar-te.
- O vampiro é Karl. Queres que te explique?
- Não.
Procurou a solução do enigma nas últimas páginas e saltou da cadeira com um grito de júbilo que se ouviu em toda a casa. Depois, as suas ancas começaram a mover-se para trás e para a frente, traçavam circunferências que rodeavam uma confusa área de obscenidade.
- Adivinho tudo. Não te esqueças.
Voltou a olhar-te.
- Ouve lá, tu mexes-te muito à noite. Andas a bater punhetas?»
[Francisco Casavella, Um Anão Espanhol Suicida-se em Las Vegas; em tradução para a Minotauro;

Papiro do dia (5)

«Tantos papéis, tantas folhas que tenho escrito! Diários, cartas que não seguiram o seu destino porque afinal, pensando bem, não valia a pena mandá-las… Papéis bordados a letra miúda que eu desconheço. Mais firme, mais igual, mais redonda. A minha letra de agora engelhou e amoleceu com a minha cara e as minhas mãos, com o meu próprio corpo de seios flácidos, de carne desbotada e só.
O cesto está cheio da minha vida. Pedaços rasgados, fragmentos, frases que alguém me dirigiu e eu já não me recordo de ter ouvido, palavras que eu disse a alguém e já esqueci. Tudo tão baralhado como as minhas recordações.»
[Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana; Ulisseia, Agosto de 2010;
via Nico]

28 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

Porque a Net fornece um novo dia...

Às vezes, lá calha...

«As mãos tremiam-lhe sobre a secretária. Não que fosse um bom homem. Não. Era grosseiro, injusto, autoritário. Simplesmente estava a viver o seu momento de bondade. Não lho disse porque sabia que ele não podia compreender-me.»

Nem sempre a lápis (107)

Fui ao Sul para ler Tanta Gente, Mariana, mas esperavam-me novas perspectivas de itinerância. Vivo em Carnaxide; a Nico vive no monte. Ela é filha do quarteirão da rua e travessa da Arrochela, Castelo de Silves, e adora o campo; eu nasci numa casa beirã com quintal e cultivo o anonimato empoleirado num apartamento suburbano. Digamos que encontrei a forma de me situar Longe do Mundo, com ele à mão. As circunstâncias – previsíveis, enquanto foi à Índia – determinaram que a Nico herdasse um quarto andar com vista para uma avenida anónima de Portimão (av. 25 de Abril, é a lei natural da vulgarização) e para os pátios dos vizinhos, nas traseiras, paralelos à varanda envidraçada. O edifício é um fiel seguidor do progresso fotocopiado do início dos anos 70 – as avenidas novas portimonenses, rumo à Rocha, ao Vau, ao Alvor – nas calmas; só a cor e o número de marquises os distingue. Varanda também a toda a largura da frente – perpendicular ao Clube Naval, aos arcos da ponte velha, aos cerros a caminho de Monchique –, a casa tem o hall atrofiado por uma dispensa dispensável, três quartos, cozinha espaçosa e duas casas de banho; a planta termina num salão em forma de l quadrado, maiúsculo, com uma área a ter em contemplativa consideração. Não a conhecia; problemas de estacionamento para subir, aguardava simplesmente que descessem. O que me fascinou, foi a possibilidade de conservar intactas e criar novas épocas com parte da existência. Depurar a sala de jantar o suficiente para a fazer caber na primeira divisão à entrada, como página de um álbum; derrubar a dispensa para abrir a porta da entrada e ser recebido pelo reflexo biselado do louceiro estilo inglês, tão marcante, conservando as quatro fotografias a preto e branco da Rocha e de Portimão, na coluna oposta, substituído o espelho vertical pela firmeza com que A Licorista se tem aguentado de pé; um placar de esmalte oval, com um sol sorridente a levar aos lábios um martelo Abel Pereira da Fonseca. Anda há meses na bagageira da carrinha: não quis voltar a entrar na casa de Carnaxide; intimamente, sabíamo-nos deslocados. Dois anos depois de ter herdado parte de uma biblioteca, reencontro-a entre o espólio numa garagem, estante desmontada, quatro escrivaninhas, um mostruário de mesas e de canapés, uma secção de candeeiros de uma loja de iluminação, um campo de futebol de carpetes de Arraiolos e gobelins; contratei uma cena de vida na aldeia, com ponte e rio, para me proteger as costas enquanto trabalho. Agrada-me a ideia dos nossos espaços coexistirem no salão – sozinhos e os dois – com os objectos e os estilos e os interesses que nos individualizam. Entretanto, arrumem-se os livros «a mais» em Carnaxide e no Monte Alto numa biblioteca, onde possam caber os da casa de Portimão.

Papiro do dia (4)

«O especialista perguntou-me se tinha família. Respondi-lhe que não. Pareceu ligeiramente desapontado, como se a minha situação de pessoa só fosse afinal o pormenor mais grave de tudo o que ali se ia passar e dizer, a primeira perda no caminho fácil do meu caso. Olhava para mim com as análises na mão. Mesmo ninguém?, insistiu, como se quisesse despertar a minha boa vontade. Abanei a cabeça e sorri de olhos sérios num espelho de moldura bege por detrás da sua nuca avermelhada. A pena do meu chapéu movia-se da direita para a esquerda. Senti então, não sei porquê, uma grande vergonha daquela pena. Ele disse: «Bem…» Acabou por ler de novo as análises. Todo aquele teatro para quê? Talvez por não saber como havia de começar… Ora, não sabia ele outra coisa! E a prática para que serve? Mas então para quê tantas demoras? Talvez para se ocupar de mim uns minutos mais… Era possível. Eu tinha pago logo à entrada quinhentos escudos – o que me tinha custado a juntar, aqueles quinhentos escudos! – à bonita empregada de rosto tecnicolor, bata imaculada e sorriso muito convencional, a acender-se e logo a apagar-se como uma chama que alguém tivesse soprado. A apagar-se, porque já não era necessário. «O senhor professor ainda não chegou, tem a bondade de se sentar…» Talvez não fosse tão grave como o outro médico dizia nos seus silêncios, nas suas meias palavras tão animadoras, no seu sorriso demasiado aberto e satisfeito, a soar a falso como Judas. Quem sabe? Talvez…
Já era a esperança.
Outra vez o sorriso vermelho e branco, os olhos grandes, debruados a rímel da empregada.
- Senhora Dona Mariana Toledo.
[Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana; Ulisseia, Agosto de 2010;

26 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

Porque a Net fornece um novo dia

... este, hoje à tarde

ontem, foi este...

Às vezes, lá calha...

«O coração necessita de afinação, como os rádios.
Por vezes, em simultâneo, executamos duas canções,
e uma perturba a outra,
e não é bom para os ouvidos.
Mas qual o botão que afina o coração?
...Não é assim tão fácil.»

«É bom trabalhar nas Obras» (54)

«O whisky da tarde, insólito nos costumes de Ignacio, dispersava-o beneficamente. Nos últimos tempos, tinha-se entregado de maneira apaixonada e doentia ao estrito cumprimento dos horários, jornadas idênticas, luta sem tréguas para demonstrar o que, para seu orgulho, resultou demonstrável; por isso, ofendia-o perder tempo. No entanto, agora, disse para consigo, estava na disposição de jogar os miseráveis quartos e meias horas de descanso, os «um cigarro e ponho-me» à margem do dia, de saborear tardes que, uns meses antes, eram meros trâmites para o outro lado dos muros da sua vontade. Podia permitir-se achar tudo com piada.
E parecia-lhe que tudo tinha piada. Por exemplo, achava particularmente divertido que Carlos continuasse a partilhar as suas lições particulares sobre conquista feminina, quando, há que tempos que ali não estavam as causadoras da sua admiração, primeiro, e depois, do seu arrevesado discurso. Tinham trocado olhares com miúdas, enquanto levantavam e baixavam os copos, expiravam o fumo dos cigarros, e os sapatos delas se balançavam, cronometricamente, na ponta dos pés a calcularem um tempo que só elas decidiam. Miúdas que deviam cheirar muito bem, que guardava o melhor de si mesmas para o momento culminante, que gritariam na cama, que seriam doces ou impertinentes, miúdas distantes, miúdas com um encontro marcado, miúdas que liam e levantavam, continuamente a vista do livro, que colocavam a voz e se mostravam falsas quando voltavam a falar com as amigas, e as amigas notavam algo. Já se tinham ido todas embora. E ele, não era um cobarde.
- Não sou um cobarde – afirmou Ignacio.
- És. Quanto queres apostar?
- O que quiseres.
- Posso escolher? Entras num bar, bebes três whiskies com três pacotes de amêndoas e sais sem pagar. Aposto este disco. Chester Winchester. O meu tesouro.»
[Francisco Casavella, Um Anão Espanhol Suicida-se em Las Vegas; em tradução para a Minotauro;

Papiro do dia (3)

«Agora estou aqui e nem de ler sou capaz. Sei que vou morrer e essa certeza basta-me, é como que um calmante. Perante ela tudo desaparece. Mas às vezes também tudo vem, é conforme a cor dos dias. Os cinzentos correm moles, desconsolados, amassados com lágrimas. Os negros, gasto-os a desfilar para mim própria toda a minha existência falhada. Acontece-me pensar se essa existência teria sido diferente, melhor, senão mais longa pelo menos mais bem aproveitada, tendo eu procedido de outro modo, seguido por outros caminhos. E não. Não fui eu que resolvi. Não fui eu a abrir as mãos que, vejo-o, agora, já estavam abertas. Fui forçada a agir e também a ficar quieta. Eu às vezes ia por uma rua larga, a ver o caminho livre e dava de súbito, inesperadamente, com uma parede. Já era tarde para recuar e então tinha de procurar de qualquer modo sair dali ou então desistir e deixar-me ficar. Não era eu quem construía o muro, não era eu também quem adiantava o tempo. Tudo lá estava, preparado para a minha chegada, à minha espera.»
[Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana; Ulisseia Agosto de 2010]

25 de novembro de 2010

24 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

prosa da fina... ah, pois!

É tudo uma questão de técnica

Literatura de intervenção

Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Estacou à beira da palavra feia
como estacara na vida à beira de tudo
o que lhe parecia inconveniente.»
[...]

«É bom trabalhar nas Obras» (53)

«O secretário Schultz manifestava-se inclinado em depositar a sua confiança no segundo ensinamento, a tradição das «minorias convencidas», um núcleo de activistas decididos e formados, capazes de resistirem à perseguição e unidos entre si por uma substância proibida – imaginária ou não – feita de alusões secretas, de palavras herméticas, oposta ao populismo campesino, que fala crioulo com as máximas conservadoras da chamada sabedoria popular. Drogam-se todos, nestas terras do campo, aqui, na pampa da província de Buenos Aires ou nos campos de pastoreio ou de cultivo da Palestina. É impossível sobreviver de outro modo nesta intempérie, disse o seminarista, segundo Luca, e acrescentou que o sabia porque eram verdades aprendidas na confissão, com o tempo, todos confessavam que no campo não se podia viver sem consumir uma poção mágica: cogumelos, cânfora destilada, rapé, cannabis, cocaína, mate curado com genebra, yagué, xarope com codeína, seconal, ópio, chá de urtigas, láudano, éter, heroína, mistura de tabaco preto com erva-do-diabo, o que se pudesse conseguir nas províncias. Ou como se explica o poema gaúcho, La Refalosa, os diálogos de Chano e Contreras, Anastasio o Frango? Todos esses gaúchos passados da cabeça, a falar em verso rimado pela pampa… En su ley está él de arriba si hace lo que le aproveche. / Siempre es dañosa la sombra del árbole que tiene leche*. É para isso que servem os farmacêuticos da terra, com as suas receitas e as suas mezinhas. Ou não eram os boticários as figuras chave da vida rural? Uma espécie de consultores gerais de todas as maleitas, sempre dispostos, à noite, pelos saguões, a traficar leite das árvores e produtos proibidos.
Tinha-se entendido imediatamente com o seminarista, porque Luca pensava na reconversão da fábrica como se fosse uma igreja em ruínas que necessitava de ser fundada novamente. De facto, a fábrica tinha nascido a partir de um pequeno grupo (o meu irmão Lucio, o meu avô Bruno e nós) e nesses pequenos grupos há sempre um que rói da corda, que vende a alma ao diabo, e foi isso o que tinha sucedido ao seu irmão mais velho, o filho Varão, o Urso, Lucio, seu meio-irmão, para dizer a verdade.
- O meu irmão vendeu a alma ao diabo, influenciado pelo meu pai, pactuou, vendeu as suas acções aos investidores e nós perdemos o controlo da empresa. Fê-lo de boa-fé, que é como se justificam todos os delitos.
* "Está no seu direito o mais acima de fazer o que lhe aproveite. / É sempre má a sombra da árvore que dá leite."
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema;

Papiro do dia (2)

«Mole. E enjoada comigo mesma como se me tivesse provado. Um pedaço de pão que depois de se mastigar durante muito tempo acabasse sabendo mal. Sabendo a mim própria, aos meus próprios sucos. Cuspi-me com desagrado para cima da cama e aqui fiquei líquida e espapaçada. É um estado de espírito entre calmo e desesperado com uma leve ansiedade à mistura. Por vezes sinto medo desta solidão maior do que nunca foi, imensa. Para onde quer que me volte só dou comigo mesma. Mas já me vi bastante e acabo de reparar que nada mais tenho a dizer-me. Nada mais.»
 
[Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana; Ulisseia, Agosto de 2010;

22 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

Porque a Net fornece um novo dia

A Felicidade, Luís-Anton Baulenas; trad. Maria João Teixeira, QuidNovi
Com a presença do autor e de Sebastià Bennasar (jornalista e escritor)

Às vezes, lá calha...

«Há uma ficção judicial como há uma história sagrada
e, nos dois casos,
só cremos no que está bem contado.»

«É bom trabalhar nas Obras» (52)

«O casarão do velho Belladona ficava no cimo de uma cumeeira, ao fundo de uma mata de eucaliptos, e era preciso subir um caminho tortuoso que ascendia por entre as árvores. Renzi tinha contratado um carro e o chofer explicou-lhe como chegar à casa. Tinham parado numa curva, perto de um trilho que levava a uma grade electrificada e aos portões da entrada. O casarão tinha o nome lavrado numa placa de ferro forjado: Los Reyes. Renzi desceu e antes de chegar à grade, surgiu o encarregado da segurança com óculos pretos e cara de cansado. Entrou em contacto com a casa com um walkie-talkie e, pouco depois, abriu a porta e deixou-o entrar. Renzi esperou numa sala de tectos altos e amplos janelões que davam para o jardim. Havia quadros e fotos nas paredes e cadeirões de couro, como se fosse a sala de espera de um edifício público.
Passado um pouco, apareceu uma empregada com aspecto de enfermeira que o fez subir por um elevador para o andar de cima e o deixou em frente de uma porta aberta que dava para uma enorme sala, quase sem móveis. Ao fundo, Renzi viu um homem alto e forte que o esperava de pé, imponente. Era Cayetano Belladona.
- O Bravo disse-me que o senhor me queria ver – disse Renzi, depois de se sentarem em dois amplos cadeirões colocados contra a parede.
- E a mim, o Bravo disse-me que o senhor me queria ver… portanto, o interesse é mútuo – riu-se o Velho. – Isso não tem importância, o que importa são as notícias que o senhor anda a publicar nesse jornal da Capital. Lemo-las e pensamos que esta terra é um campo de batalha. Fala de fontes que não refere e isso, como sempre que um jornalista cita fontes reservadas, quer dizer que está a mentir.
- Posso citar essa opinião? – disse Renzi.
- Não gosto dessas histórias sobre a minha família – disse o Velho, como se não o tivesse ouvido – e os seus disparates sobre as razões pelas quais Anthony trouxe esse dinheiro. – Não está com rodeios, pensou Renzi, e puxou de um cigarro. – Não se pode fumar aqui – disse o Velho. – E isto não é uma entrevista, quis simplesmente conhecê-lo. De maneira que não tome notas, nem grave nada do que falarmos.
- Sim – disse Renzi. – Uma conversa privada.
- Sou um homem de família numa época em que isso já não significa nada. Defendo o meu direito à privacidade. Não sou uma pessoa pública. – Falava com extrema calma. – Os senhores, os jornalistas, estão a destruir o pouco que nos resta de solidão e de isolamento. Murmuram e difamam. E gritam sobre a liberdade de imprensa que, para os senhores, significa simplesmente liberdade para vender escândalos e destruir reputações.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema;

Papiro do dia (1)

«E vou ter agora de voltar a orientar-me. Parto do princípio que conseguirei reagrupar e redistribuir os meus recursos como qualquer general no campo de batalha, que abrange com um olhar todos os dados e integra todos os reveses e contingências na cerrada malha daquilo que poderíamos chamar o seu cálculo genial. Pois são coisas como estas que uma pessoa atenta lê diariamente nos jornais, onde aparecem expressões como: golpe de flanco. Nos últimos tempos cheguei até à conclusão de que a arte de fazer e conduzir a guerra é quase tão difícil e exige tanta paciência como a arte da poesia e vice-versa. Também os escritores, como os generais, procedem a intermináveis preparativos antes de se atreverem a passar ao ataque e iniciar a batalha, ou, por outras palavras, de lançar no mercado um produto do seu labor, ou seja, um livro, o que funciona como uma provocação e despoleta vigorosos e intensos contra ataques. Os livros atraem as discussões e estas evoluem por vezes para tons tão acerbos que o livro acaba por ser liquidado e o autor termina em desespero.»
[Robert Walser, O Passeio e Outras Histórias; trad. Fernanda Gil Costa, Granito – Editores e Livreiros, Porto Janeiro 2001;

21 de novembro de 2010

Editorial

Transcritas 109 páginas À Mão de Ler, a nova dezena incia-se sob a designação Papiro do dia. Se cada edição – à excepção dos temas de «última hora» – começa por afirmar que a Net fornece um novo dia, parece-me natural que se desenscrolle o blogue até ao papiro do dia. Por outro lado, convenhamos que eram mãos a mais – Nem sempre… É bom… À mão; Às vezes, lá calha… –, começava, sinceramente, a preocupar-me o risco de baralhá-las. Certo?

Reencontrei a adolescência

... e vim lê-la para o Sul
«Só há noite e dia,
mas a manhã deixou de ser princípio
e de limar as arestas às coisas.»

20 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

Nem sempre a lápis (106)

Ainda há uma semana estava tão desgostoso por ter lido Bibliotecas Cheias de Fantasmas, em duas brevíssimas noites; incomodei dois livreiros à procura de A Casa de Papel e a menina do Apoio ao Cliente da ASA (simpática e diligente), como se andasse à procura da Lua, de uma primeira impressão de Os Lusíadas. Afinal, o livro foi reeditado quatro anos depois, em Maio – não travámos conhecimento na Feira, porque Bonnet ainda não era visível para nos apresentar –, com a mesma paginação de GSamagaio da edição de Fevereiro de 2006, mas capa de José Manuel Reis, francamente mais em conformidade e bonita do que a da extinta colecção Pequenos Prazeres; mesmo só vista na Net. Na quinta-feira, quis a fortuna que a planeada ida aos livros a Lisboa, tenha sido interceptada pelo e-mail da Teorema a avisar o lançamento de Um Pai de Filme, fazendo com que duas, numa só, eliminassem a estucha da repetição. Apeei-me nas Amoreiras, desci a rua e atravessei o jardim a fumar um charro oportunamente enrolado em casa; observei dois veículos (um Lada Niva bordéus e um Honda Civic branco, de 92) e senti-me tentado a deixar um bilhete no pára-brisas, onde apelaria «Caso esteja interessado em vender, agradeço que tenha em consideração os meus sessenta anos (telemóvel); referências na livraria que abriu ao lado». E nela voltei a entrar, desta vez em tarde soalheira que me permitiu verificar que a denominação Dona Rústica tinha sido actualizada pela omissão, e a Trama, onde entrei, não era a que se anuncia mais abaixo. Fui recebido pelo Ricardo e o Tiago Sousa, ainda a desencaixotar; a música passou a CD. Será que ainda não tiveram tempo ou ainda ninguém lhes ensinou e não sabem, que um chão de tijoleira daqueles precisa de uma boa esfrega semanal de piassaba com sabão amarelo e lixívia? Lindo de se morrer, quando tiver sofá; porque tinham, afinal tinham a resposta que duas semanas antes não me deram: Pergunta Ao Pó. Encaixei a questão dentro do envelope deixado pelo Paulo da Costa Domingos, apontei para o Príncipe Real sem ligar peva ao assédio do Café Orpheu e desci a rua do Século. Fiquei francamente surpreendido com a manifestação da crise na galeria de arte homónima, embora mais nova – Mas o que é que te deu, Carlos Barroco? Pague 1 e leve 2? –, pensava, a encaminhar-me para a Letra Livre, onde tinha encontrou marcado com Matsuo Bashô, há uns meses. Seguindo O Caminho Estreito Para o Longínquo Norte, cruzei-me com o Paulo em andamento no Camões, onde fiz de conta que almoçava um café e uma empada, de galinha? Sim, confirmei à carinha larocas morenita que teve a gentileza de me ajudar a montar banca, sem entornar café nas calças nem nos livros que marcavam a mesa. Recuperado da estreita e ofegante etapa – a subida da calçada do Combro, feito em escombros –, tomei a liberdade de me electrocutar um pouco na fnac, depois de acenar ao Aníbal Fernandes, ocupado, e desci as escadas só para confirmar se o pressentimento batia certo: percorri a letra W nas estantes, dirigi-me à pequena exausta, apresentada como «a minha colega dos livros», perguntei o que havia de Robert Walser, perguntou-me se em Português ou em Alemão, em português podia mandar vir. Ou terei sido eu que ouvi assim, sem o dizer? Não sei, sei que subi a sete pés o cheiro nauseabundo dos sanitários para onde descia, incauto. Regressei à superfície e entrei ao lado da memória do Café Gelo e calcei uns sapatos, só para experimentar e ver ao espelho com o par do outro na mão; dei por mim na linha amarela, com destino ao Campo Pequeno e os sapatos de origem. Não me surpreendeu ter feito o percurso sempre acompanhado por uma adolescente com umas calças de montar e botas com atacadores até ao joelho, que nunca viram sebo nem esporas, mas perfeitamente segura da elegante atitude feminina que proporcionava a quem a soubesse interpretar (neste caso, eu), por isso não terá utilizado o tapete rolante no Marquês, optando por se deslocar com passo de quem também nunca montou um cavalo. Mas isto, se não foi exactamente agora, terei pensado quando me aproximava da Pó dos Livros, acabando por voltar a entrar numa réplica da loja de calçado na Baixa, como se adiasse a surpresa de qual das edições me esperava. Passei pelo stand da Aston-Martin e devorei a hora de vantagem sobre a apresentação na Buchholz, sentado numa esplanada de sentido único na António Augusto de Aguiar, a sorrir e a ver os livros e a capa do DVD de Paul Bowles que tinha emprestado ao Paulo. Depois, ia-me dando uma coisa; Antonio Skármeta pegou no meu exemplar, dobrou-o como se fosse uma revista (das merdosas), nenhum de nós tinha caneta e receei ser mal interpretado se lhe oferecesse o meu lápis, o Carlos Veiga Ferreira emprestou-lhe uma que entrou de serviço ainda antes da apresentação; tive oportunidade de verificar quando vim à rua fumar um cigarro e aproveitei para pagar A Biblioteca (Zoran Zivkovic). Depois, cruzei-me com magotes de gente a entrar de fim-de-semana; a caminho da naite. Apanhei o autocarro semi-vazio, meti a chave à porta da casa de papel e acabei o livro com a vaga sensação de ter ficado com os dedos sujos de cimento. Hoje, como passei o dia a pensar e não a procurar, onde tenho A Linha de Sombra (Joseph Conrad), o melhor é voltar a ler o livro para não encher a minha biblioteca com mais fantasmas.

«É bom trabalhar nas Obras» (51)

«A noite tinha caído sobre a casa e eles continuavam nos cadeirões, na galeria, com as luzes apagadas, excepto um biombo atrás, na sala, a olharem para o jardim calmo e as luzes do outro lado da casa. Passado um pouco, Sofía levantou-se e pôs um disco dos Moby Grape e começou-se a mover a dançar no seu lugar, enquanto tocava Changes.
- Gosto dos Traffic, gosto dos Cream, gosto dos Love – disse, e voltou-se a sentar. – Gosto dos nomes dessas bandas e gosto da música que fazem.
- Eu gosto de Moby Dick.
- Sim, imagino… Passas-te com os livros e ficas feito numa bola. A minha mãe é a mesma coisa, só está calma se estiver a ler… Quando deixa de ler, fica neurasténica.
- Louca quando não lê e não louca quando lê…
- Estás a vê-la, ali…?, vês a luz acesa…?
Havia um pavilhão do outro lado do jardim, com dois grandes janelões iluminados, onde se via uma mulher com o cabelo branco preso, a ler e a fumar num cadeirão de couro. Parece estar noutro mundo. De repente, tirou os óculos, levantou a mão direita e procurou atrás, às tentas, numa estante da biblioteca que não se conseguia ver, um livro azul, e depois de encostar a página contra a cara, voltou a pôr os óculos redondos, ajeitou-se no grande cadeirão e continuou a ler.
- Lê o tempo todo – disse Renzi.
- Ela é a leitora – disse Sofía.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; em revisão para a Teorema;

18 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

é que veio mesmo ao pintar da amora,

passe a expressão e o estado do tempo

Porque a Net fornece um novo dia

Tantos anos; e que bom, outra vez...

Às vezes, lá calha...

«A experiência é um ténue candeeiro
que só ilumina quem o segura.»

«É bom trabalhar nas Obras» (50)


«Saíram de automóvel, à meia-noite, para Tapalqué, por uma estrada lateral que atravessava a extremidade do distrito. Iam pelo meio do campo, evitando as cercas de arame e os animais parados. A Lua escondia-se por vezes, e Croce usava o farolim, que estava de lado, um holofote forte com um manípulo que se podia mover com a mão. De repente, viram uma lebre, paralisada de terror, branca, quieta, no círculo iluminado, como uma aparição no meio da escuridão, sob o feixe de luz, um alvo na noite* que, de repente, ficou para trás. Andaram várias horas, sacudidos pelos buracos do caminho, a olharem o fio prateado das cercas de arame sob o céu estrelado. Por fim, ao saírem para uma clareira arborizada, viram ao fundo, longe, o brilho da janela iluminada de um rancho. Quando chegaram ao trilho e se dirigiram para o rancho, já começava a clarear no horizonte e ganhou tudo uma cor rosada. Renzi desceu e abriu a cancela e o automóvel entrou por um caminho entre o capim. Na porta, debaixo do telheiro, um paisano tomava mate sentado num banquinho. Um polícia de guarda dormitava junto de uma árvore. No largo dos cavalos, ao lado, estava o alazão, tapado com uma manta escocesa, a pata esquerda ligada. O paisano era o tratador do cavalo, um ex-domador, de nome Huergo ou Uergo, Hilario Huergo. Era um gaúcho escuro, alto e magro que não parava de fumar e os olhou quando chegaram.
- Que manda, don Croce.
- Viva, Hilario – disse Croce. – O que foi que se passou?
- Uma desgraça. – Fumava. – Pediu-me que viesse – disse. – Quando cheguei, já o tinha feito. – Fumava. – Sim – disse, pensativo. – Na religião dele é permitido.
- Não está lá que é permitido matar – disse Croce.
- Tenha respeito por ele, comissário. Era uma boa pessoa. Teve essa desgraça. Ninguém tem compaixão com os culpados – sentenciou, depois.
Croce andou a dar umas voltas porque, como sempre, postergava o momento de entrar e ver o morto. Assomou-se e voltou a sair.
- Disse-lhe alguma coisa sobre o ianque – disse Croce.
- Deixou uma carta, não a abri, está onde a pôs, na janela.
* Dez anos depois dos factos registados nesta crónica, nas vésperas da guerra das Maldivas, Renzi leu no The Guardian que os soldados ingleses estavam equipados com óculos que lhes permitiam ver na escuridão e disparar sobre um alvo nocturno e deu-se conta de que a guerra estava perdida antes de começar e lembrou-se dessa noite e da lebre paralisada perante a luz do farolim do automóvel de Croce.
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema]

À mão de ler (109)

«Sem perder tempo a olhar o que quer que fosse, estuguei o passo para a caixa municipal a fim de pagar os impostos no balcão das contribuições. Mas tenho de rectificar aqui um erro grosseiro. De facto, como só agora me recordo, não se tratava de um pagamento, mas simplesmente de uma entrevista com o senhor presidente da suprema comissão fiscal para requerimento e entrega de uma declaração solene. Não me levem a mal o erro e escutem benevolamente o que tenho a dizer sobre este caso. Tal como o imperturbável e inabalável mestre-alfaiate Dünn prometia e garantia uma obra impecável, também eu prometo e garanto, com respeito à declaração de impostos que vou fazer, exactidão e exaustão, bem como concisão e brevidade. Vou saltar imediatamente para essa encantadora situação.»
[Robert Walser, O Passeio e Outras Histórias; trad. Fernanda Gil Costa, Granito – Editores e Livreiros, Porto Janeiro 2001;

16 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

Me driving my VW van (com as rodas em posição de lótus) from Jordan River towards Sooke.

Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«A terra inteira colaborava para ajustar e melhorar as versões. Tinham mudado os motivos e o ponto de vista, mas não a personagem; tão-pouco tinham mudado os acontecimentos, só o modo de olhá-los. Não havia dados novos, só outras interpretações.»

Nem sempre a lápis (105)

Há uma semana que o WMP só toca tablas e cítaras, ragas e dhrupads, desde que me sento a trabalhar até me deitar; e dali não sai. A Nico trouxe três CD’s da Índia (Ustad Allah Raka & Ustad Zakir Hussain, Saeed Zafar Khan e Vairagya Raga Gunkali), rapidamente copiados e irreconhecíveis para o computador, enquanto contava que assistiu a um espectáculo, descrito em ambiente familiar – com o pessoal surpreendido por ver portugueses, mulheres portuguesas, e a querer ser fotografado – e eu a imaginar os empalados alternativos e as coristas zen a emoldurarem Anouar Brahem, na Gulbenkian. Olho a foto e sinto nostalgia dos café au kif de Tânger, nas ruelas manhosas do Petit Socco que descem para o porto, onde os músicos residiam num palco à altura das mesas, com o chão e as paredes forradas com esteiras. Num deles, o Najah, na ruela promovida a avenue Mokhtar Ahardan, sem alargar um milímetro, era voz corrente que havia um naco de haxixe que nunca transpunha a soleira da porta. Segundo rezava num dos mil e um charros então ouvidos, o infeliz passaria o tempo num constante vaivém, entre o «mon ami» recém-chegado e o mono de serviço à porta para lhe confiscar o «chocolat»; recheio da casa. É possível, mas não fui desmancha-prazeres e dizer que era treta por não ter visto e garantia de segurança se comprasse ao narrador. Mas vi um freak a aviar tampas de whisky a filas comprometidas de marroquinos, à esquina (Fruta da Época). Como diria o outro: Tudo o que sei, aprendi no Canal Panda. Adiante; a meio de O Passeio e Outras Histórias, por estranho que possa parecer e parece, não me lembro de Os Lusíadas; nem tão-pouco de que são X os Cantos, se não me tivesse informado A Viagem À Índia, pronta a largar ferro. Lembro o começo, na sala de aula de um colégio de província, espantado com as armas e os barões, assim pronunciávamos, barões assinalados, ao longe; mal chegavam à ocidental praia lusitana, estendia a toalha e abalava; não partia. Não se trata de ter alguma coisa contra o vate; se há coisas de que gosto, entre elas, sentar-me na esplanada do Camões, visto de costas, a aviar empadas e a olhar para as varandas da casa da Luiza Neto Jorge. «Talvez nunca nenhum autor tenha, como eu, tão persistentemente pensado no leitor, de maneira tão delicada e gentil.» (Robert Walser)

«É bom trabalhar nas Obras» (49)


«O seu pai não se dava conta que de tinha chegado a peste, o fim do latifúndio, a pampa estava a mudar para sempre, as maquinarias eram cada vez mais complexas, os estrangeiros compravam terras, os fazendeiros mandavam os seus lucros para a ilha de Manhattan («e para os paraísos financeiros da ilha Formosa»). O velho queria que continuasse tudo na mesma, o campo argentino, os gaúchos a cavalo, embora também ele, naturalmente, tivesse começado a fazer rodar os seus dividendos para o exterior e a especular com os seus investimentos, nenhum dos latifundiários era um sem eira nem beira, tinham os seus assessores, os seus brokers, os seus agentes na Bolsa, iam para onde os levava o capital, mas nunca deixaram de acalentar a calma patrícia, os tranquilos hábitos pastoris, as relações paternais com a maralha dos peões.
- O meu pai procurou sempre que gostassem dele – disse Sofía –, era déspota e arbitrário, mas sentia-se orgulhoso dos seus filhos varões, eles iam perpetuar o apelido, como se o apelido fizesse algum sentido em si mesmo, mas assim pensava o meu avô e depois o meu pai, queriam que o apelido da família continuasse, como se pertencessem à família real inglesa, porque cá são assim, acreditam nisso, são todos gringos rafeiros, descendentes dos irlandeses e dos bascos que vieram cavar granjas, porque os paisanos nem a brincar, só os estrangeiros deitavam mãos à obra*. Havia um inglês granjeiro – recitou ela como se cantasse um bolero – que dizia que era de Inca-la-perra. Devia ser um desses Harriot ou um Heguy que andava a fazer granjas pelo campo e agora armam-se em aristocratas, jogam pólo nas fazendas, com esses apelidos de camponeses irlandeses, de bascos rurais. Aqui, somos todos descendentes de gringos e, na minha família, mais do que qualquer outra, mas pensam da mesma maneira e querem o mesmo.
* Nos velhos tempos, as fazendas eram separadas em granjas para impedir que o gado se misturasse. Foram imigrantes bascos e irlandeses quem trabalhou a abrir poços na pampa; os gaúchos recusavam-se a fazer qualquer tarefa que significasse descerem do cavalo e consideravam desprezíveis os trabalhos que se tivessem de fazer "a pé" (cfr. John Lynch, Massacre in the Pampas).»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema;

15 de novembro de 2010

«Saramago pertence já à nossa memória»

Quiseram apagá-lo, em vida,

mas ficaram horrorizados com o buraco medonho,

sem a Obra

[então?]

... e a mim, apagam-me aos poucos

adeus Pompy, minha sombra branca
Novembro 2001 / Novembro 2010

14 de novembro de 2010

Breve interlúdio musical

... com soirée dançante no Café Central

(entrada livre às Damas... desde que não armem dramas)

Porque a Net fornece um novo dia

Quem consegue resistir a «isto»
apresentado por «estes» dois tarahumaras?
Vitor Silva Tavares e Miguel Martins

Às vezes, lá calha...

«É bom trabalhar nas Obras» (48)

Contracapa
Tony Durán, um estranho forasteiro, nascido em Porto Rico, educado como um norte-americano de Nova Jersey, foi assassinado no começo dos anos setenta numa localidade da província de Buenos Aires. Antes de morrer, Tony foi o centro da atenção de todos, o admirado, vigiado, diferente mas também o fascinante. Tinha chegado seguindo as belas irmãs Belladona, as gémeas Ada e Sofía, filhas de uma das principais famílias do lugar. Conheceu-as em Atlantic City, e urdiram um feliz trio sexual e sentimental até que uma delas, Sofía, «talvez a mais frágil ou a mais sensível», desertou do jogo dos casinos e dos corpos. E Tony Durán continuou com Ada, e seguiu-a quando ela voltou para a Argentina, onde veio a encontrar a morte.
A partir do crime, este romance policial transmuta-se, cresce, e transforma-se num relato que se abre e enlaça com arqueologias e dinastias familiares, num vaivém entre a combinação de veloz romance de género e a esplêndida construção literária. O centro luminoso do livro, cujo título remete para a caça nocturna, é Luca Belladona, construtor de uma fábrica irreal perdida no meio do campo que persegue com obstinação um projecto demencial. O aparecimento de Emílio Renzi, a tradicional personagem de Piglia, dá uma conclusão irónica e comovente à história.
Situada na imperturbável paisagem da planura argentina, este romance povoado de personagens memoráveis, tem uma trama ao mesmo tempo directa e complexa: traições e negociatas, um falso culpado e um verdadeiro culpado, paixões e enganos. Alvo Nocturno narra a vida a vida de uma localidade e o inferno das relações familiares.
Jason Wilson escreveu em The Independent: «Ricardo Piglia ocupa um lugar muito alto na literatura. Herdou a desconfiada inteligência de Borges, a sua incansável e prazenteira exploração da literatura, e a sua atracção pelas obscuras zonas de má fama. As ficções de Piglia são inventivas parábolas sobre os pesadelos recentes e passados da história do seu país.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; em revisão para a Teorema;

À mão de ler (108)


«Como uma livraria extremamente luxuosa e bem sortida me dera agradavelmente nas vistas e senti o premente desejo de lhe fazer uma curta e rápida visita, não hesitei em entrar, com ostensivas boas maneiras, pelo que, aliás, me veio a ideia de que talvez ficasse mais verosímil no papel de inspector, de rigoroso revisor de livros, coleccionador de novidades ou perito experiente, do que no papel de abastado comprador e bom cliente, estimado e bem recebido. Com voz delicada e extremamente prudente e usando compreensivamente as expressões mais seleccionadas, pedi informações sobre as novidades e as coisas de melhor qualidade no domínio das belas-letras. “É possível aprender a conhecer”, perguntei timidamente, “e simultaneamente apreciar o que é mais autêntico e mais sério e, ao mesmo tempo, evidentemente, o mais lido e mais rapidamente reconhecido e comprado? Ficar-lhe-ia em alto grau devedor da mais invulgar gratidão se tivesse a enorme gentileza de me indicar esse livro, que certamente o senhor poderá conhecer melhor que ninguém, que tem encontrado e continua firmemente a encontrar o mais elevado apreço tanto junto do público leitor como junto da crítica mais temida e, por isso mesmo, sem dúvida, a mais cercada de lisonja. Não pode imaginar até que ponto me interessa saber agora mesmo qual é de todos estes livros, ou produtos da pena, aqui empilhados e expostos, o livro favorito mencionado, cuja visão me tornará, com toda a probabilidade, assim o espero vivamente, num cliente decidido, feliz e entusiasmado. O desejo de ver o escritor preferido do mundo culto e, repito, provavelmente também comprar a sua admirada e impetuosamente badalada obra-prima agita-me e percorre todos os meus membros. Posso pedir-lhe com toda a gentileza que me mostre esse livro cheio de sucesso para que a ansiedade que se apoderou de todo o meu ser encontre satisfação e deixe de me perturbar?” – “Com todo o gosto”, respondeu o livreiro.»
[Robert Walser, O Passeio e Outras Histórias; trad. Fernanda Gil Costa, Granito – Editores e Livreiros, Porto Janeiro 2001;

13 de novembro de 2010

Ainda estão muito a tempo...

... estivesse eu por Coimbra

São maneiras de se chegar a casa?

... então pois não são, fiufiu...
[click! e saboreia-se muito melhor. O DVD estava emprestado ]