30 de abril de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...




«El Tánger que Bowles y sus compatriotas evocaban era el del paraíso perdido, el del mito creado por ellos y para ellos, no para quienes, como Chukri, habían crecido y vivido en la miseria magistralmente descrita en El pan a secas (la traducción española de El pan desnudo no significa cosa en nuestra lengua).»

Nem sempre a lápis (363)

até Jajouka
(2006)
23. Subitamente, à medida que me vou recompondo da viagem a Mortágua, vejo-me obrigado a reconhecer que já não devoro quilómetros com o mesmo apetite com que fazia Lisboa / Madrid e Lisboa / Barcelona parando apenas o estritamente necessário (...)Subitamente, apercebi-me de que nunca escrevi nada que sentisse tão exterior como o que tenho vindo a escrever. Exterior a mim mesmo, como um texto que tenho vindo a traduzir e terei, necessariamente, de reler e rever, e cuja única diferença que o separa do texto traduzido consiste em não ter de cumprir uma data e poder entregar-me a ele sempre que me apeteça; poder esquecê-lo. (...) E tendo começado por afirmar que nunca escrevi nada que sentisse tão exterior como o que tenho vindo a escrever, suponho que essa exterioridade se deve a uma desencantada e possível necessidade de quebrar um certo silêncio comigo mesmo, animado pelo inconsequente anonimato de poder fazê-lo como se eu fosse o meu último leitor. Não o que escreve para me ler, mas o que me lê para que deixe de escrever.

Papiro do dia (405)

 
 
«As minhas mãos estavam tão geladas que eu mal conseguia virar as páginas do livro que andava a ler, Luz em Agosto, como já disse. Comprara-o na pequena livraria inglesa da rue du Seine, em Paris, certa de que ia gostar dele, porque tinha adorado O Som e a Fúria, mas afinal não era de todo o meu tipo de livro. Mesmo assim, guardei-o estes anos todos, emalei-o e desemalei-o nem sei quantas vezes. E, curioso, isso nunca pareceu aborrecer-me até agora. Não é só Luz em Agosto que me parece aborrecido agora, são todos os meus livros. Ou talvez não sejam os livros que são aborrecidos, mas sim as recordações: emalar, desemalar.»
[Sam Savage, As recordações de Edna; trad. Sofia Gomes, Planeta, Janeiro 2013]

27 de abril de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Tirou do bolso um pedaço de papel sujo e um coto de lápis roído e, inclinado sobre a berma da varanda, onde ele escreve, penosa e apressadamente, enquanto a negra o observa.»
(William Faulkner)

Nem sempre a lápis (362)

até Jajouka
(2006)
22. Alguns velhos barcos de madeira – os poucos que não agonizam como peças decorativas nos relvados das villas e varados no shopping da Guia – voltaram a fazer-se à beira-mar com um letreiro esgalhado à trincha numa chapa de contraplacado: «Besucht die grotten». Andam por ali a desafiar os turistas, com a simplicidade da silhueta colorida em flagrante contraste com a modernidade plastificada das barulhentas e poluentes motos de água e embarcações de recreio que, a partir de agora e durante uns dois meses, sulcam a baía de Armação em ritmo de auto-estrada. (...) Estávamos na praia e estranhei ver o velho barco de madeira tão longe da praia – creio que mais distanciado pela crise do que pela dimensão da concorrência. Quando vi o desespero do pescador para pôr o motor a trabalhar, lembrei-me da Margot, da carrinha, que não acabou rebocada por um barco, mas terá tido um final tão misterioso como o que para mim continua a envolver o da Margot; o barco que eu tripulava sentado à mesa de uma esplanada que já não frequento.

Papiro do dia (404)

«Quando Brown sai da floresta, desembocando na via-férrea, está ofegante. Não é devido ao cansaço, embora a distância que percorreu em vinte minutos tenha sido de quase dois quilómetros, e o terreno tinha sido difícil. Mais que isso, era a respiração rosnadora e malévola de um animal em fuga: enquanto ele pára a fim de olhar em ambas as direcções da via-férrea deserta, a sua cara, a sua expressão, é a de um animal que foge sozinho, sem desejar a ajuda de um companheiro, agarrado à sua confiança solitária e exclusiva nos seus próprios músculos e que, ao parar para cobrar fôlego, odeia qualquer árvore, uma folha de erva que veja como se fossem inimigos vivos, odeia mesmo a terra sobre a qual repousa e até o próprio ar que precisa para respirar.»
[William Faulkner, Luz em Agosto; trad. Jorge Telles de Menezes, Bibliotex, 2003]

25 de abril de 2013

 
 
(...)

23 de abril de 2013

Dia do livre (de "favores" e de facturação e de calotes e da...)



estes e o que aí vier,
só por aqui

[10€ ou 15€ dois títulos, portes incluídos]

21 de abril de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Não que haja muitas ideias, naturalmente, porque você não se atreve a pensar. Faz seja lá o que for para não pensar.»
(Aldous Huxley)

Nem sempre a lápis (361)

até Jajouka
(2006)
21. A ansiedade que antecede a partida só é comparável à do regresso. À medida que preparo as coisas e anseio por ir até Jajouka, não estarei apenas ansioso por regressar ao Monte Alto? (...) Entre as melhores maneiras de regressar, não duvido de que uma delas é, com toda a certeza, a partir de um livro que se descobriu ou relê com emoção; entregarmo-nos à escrita sem que ela pressuponha necessariamente um livro. Ou, precisamente porque o não pressupõe, muito menos ainda a necessidade de outro destinatário.
«A tarde está calma
porque sob esse ângulo – o de enriquecer o esquecimento –, os nomes são iguais.»

Papiro do dia (403)

«Queres decifrar o teu pensamento antigo, mas, para isso, à tua disposição só tens os teus próprios pensamentos. E agora eles estão mais velhos, como que perderam dimensão física: altura, largura, comprimento; perderam ainda elasticidade, agilidade de salto, capacidade para, rastejando, ver o que está em cima e para, saltando, ver o que encontrou já o seu melhor lugar em baixo. De pernas trôpegas, o pensamento tenta perceber porque começou a correr, de onde veio o primeiro impulso, o impulso original, e para onde se dirigia esse movimento. Sem obterem resposta, os teus pensamentos esquecem o julgamento da sua própria biografia e, como prostitutas que há muito perderam vigor e capacidade de atracção, abandonam-se em cadeiras, desleixados. E em vez de escolherem o objecto da sua acção, aceitam ser escolhidos; e hoje, agora, como prostitutas num bordel decadente, os teus pensamentos já se contentam (e como!) quando um velho os escolhe.»
[Gonçalo M. Tavares, Breves notas sobre o medo; Relógio d’Água, Maio 2007;
respire fundo]

20 de abril de 2013

19 de abril de 2013

18 de abril de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia


 

Às vezes, lá calha...

 
 
«Já tivera momentos altos na vida. Uma vez, de noite, andando pelo parque à chuva no Outono. Uma outra, no deserto, sob as estrelas, quando rodei com a Terra em torno do seu eixo.»
(Ursula K. Le Guin)

Nem sempre a lápis (360)

até Jajouka
(2006)
20. A Nico chamou-me para vermos pela enésima vez, a Fallingwater, a célebre casa projectada por Frank Lloyd Wright no final dos anos 30, aceitando o desafio de construi-la não em frente nem ao lado da cascata, como seria previsível, mas em cima dela, complementando-se reciprocamente. Foi casa de fim-de-semana dos Kaufmann, entre 1937 e 1963, abrindo ao público no ano seguinte e recebido mais de dois milhões e setecentos mil visitantes, desde então. Segundo o mesmo site, a Fallingwater é a única casa de Wright que permanece intocável e conserva o mobiliário da época. (...) Enquanto os responsáveis pela dispendiosa conservação e manutenção da Fallingwater, a que não será alheia a abertura ao público, a impedem de uma existência futura destinada à ruína, pondero se não será a dispendiosa remoção da casa de Salgueirais que a continua a preservar de se converter numa ruína, prevalecendo como memória indelével de um passado irremediavelmente arruinado à mercê da predação pública, que fotografei emocionado como se pronunciasse a palavra casa.

Papiro do dia (402)

14 de abril de 2013

O Domingos (e quando calha)

precisava de narta para ir a Lagos;
além do jantar de ontem,
 já vou no 4.º saco e a cagar-me para Hannah Arendt

13 de abril de 2013

12 de abril de 2013

Breve interlúdio musical

Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Não há espaço para almas universais,
excepto, talvez, na Antárctida ou nos mares altos.»
(J. M. Coetzee)

Nem sempre a lápis (359)

até Jajouka
(2006)

19. Julgo ter cometido um erro de palmatória, quando pedi para imprimirem estas cinquenta e tal folhas, irreconhecíveis e desmotivadoras, que me observam aqui ao lado. (...) Admito que possa parecer paradoxal, contraditório que, depois de anos a fio a recusar-me a ler ou rever directamente no monitor, exigindo uma rápida e urgente impressão do que tivesse escrito, agora considere um erro de palmatória, insisto, ter imprimido o que tenho vindo a repetir, a citar-me, e pretendo, na medida do possível, que continue privado dada a impossibilidade de permanecer anónimo. (...) E à medida que as pinhas pegam e o carvão começa a crepitar, na estrada, atrás do eucaliptal ao lado ouvem-se passar camiões fúnebres carregados com os derradeiros troncos de pinheiro, a verdadeira mancha verde que caracterizava e era a principal indústria de Mortágua. Desse passado, resta uma estrada – que julgo única e entregue ao livre trânsito das ervas daninhas – com a faixa descendente de paralelepípedos, para que as pesadas rodas dos carros de bois não cortassem o alcatrão quando a desciam para trazer os troncos para as serrações, hoje entregues ao esquecimento e vandalizadas pelo tempo, que optou pelo lucro fácil e duvidoso do eucalipto, fertilizado por um número crescente de incêndios.
Olho para o meu sobrinho neto e – por mais que tente, por mais que me esforce por não lhe estorvar a liberdade de quem está a ser – não consigo deixar de pensar: como será uma geração que perdeu, que não chegou a conhecer a alegria ancestral de talhar barcos à navalha em carcódoas de pinheiro?

Papiro do dia (401)

«Noël veio fazer uma inspecção. Havia só dois prisioneiros na enfermaria: Michaels e o homem em coma. Falámos sobre Michaels, em voz baixa, apesar de ele estar a dormir.
– Ainda o podia salvar se usasse um tubo – disse eu a Noël –, mas não quero forçar ninguém que não tenha desejo de viver. Os regulamentos são bastante claros: proibida a alimentação forçada; proibido o prolongamento forçado da vida; proibida a publicidade à greve de fome.
– Quanto tempo lhe resta de vida? – perguntou Noël.
– Talvez duas ou três semanas – respondi.
– Pelo menos, é um fim tranquilo – observou ele.
– Não – disse eu –, é um fim doloroso e bem desgraçado.
– Não há qualquer injecção que lhe possa ministrar?
– Para acabar com ele?
– Não, não quero dizer isso. Apenas para lhe facilitar o fim.
Eu recusei-me a tal. Não quero assumir essa responsabilidade enquanto houver possibilidade de Michaels mudar de ideias. E a conversa ficou por aí.»
[J. M. Coetzee, A vida e o tempo de Michael K; trad. Ricardo Fernandes, Bibliotex Editor 2003;
mais ou menos assim]

8 de abril de 2013

7 de abril de 2013

Milhos com acelgas

 
... e as carnes ao lado

5 de abril de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Não há mais nada para a gente se entreter. Ora, se estamos presos deixemo-nos ficar. Não vale a pena disfarçar.»
(J. M. Coetzee)

Nem sempre a lápis (358)

até Jajouka
(2006)
18. O meu pai resolveu fazer oitenta e dois anos – a fazer fé na hereditariedade, a proeza não augura nada de bom para mim – e estou outra vez em Mortágua. (...) E então apanho-me a considerar a proximidade da minha velhice, se tiver a pouca sorte de vir a ser Velho, com maiúscula, velho a sério. Se tiver a pouca sorte de sobreviver às pessoas com quem me relaciono, nunca poderei recorrer à desculpa – bem pelo contrário – de não ter ninguém do meu tempo com quem falar, porque não falo, o que se chama falar, praticamente com ninguém. Se entretanto não for descobrindo novos autores capazes de ocuparem a minha atenção, o que francamente duvido, resta-me sempre a possibilidade de continuar a reler (às vezes, ainda com mais prazer) alguns dos livros que fazem parte, digamos da minha vida, e não são de maneira nenhuma uma alternativa para um vazio em que não acredito, nem para uma solidão que ambiciono e persigo.

Papiro do dia (400)

«K nunca chegou a descobrir quem esfaqueou o guarda ou se este chegou a recuperar, pois esta foi a sua última noite no acampamento. Meteu os seus haveres no casaco preto, esgueirou-se silenciosamente para o exterior do acampamento e ocultou-se atrás da cisterna, aguardando que fossem todos para a cama e as últimas cinzas se apagassem, até que tudo mergulhou em silêncio, à excepção do vento que soprava sobre a planície. Esperou mais uma hora, tremendo de frio, por não fazer qualquer movimento. Depois, descalçou os sapatos, pendurou-os ao pescoço, deslizou na ponta dos pés até à cerca de arame junto das latrinas, atirou a trouxa para o outro lado, e trepou. Houve um momento em que, ao transpor a barreira, as calças se lhe prenderam no arame farpado, e ele foi um alvo fácil no azul prateado, mas desembaraçou-se e seguiu em bicos de pés num chão surpreendentemente igual ao do acampamento.»
[J. M. Coetzee, A vida e o tempo de Michael K; trad. Ricardo Fernandes, Bibliotex Editor 2003;

3 de abril de 2013

... e na volta, apanho-vos a estilar

 
[Di, tira a etiqueta das lentes c'os putos alucinam]

1 de abril de 2013

Volto já